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Carreira científica na Odontologia e a presença de mulheres

Odontologia e a presença de mulheres na ciência

A carreira científica na Odontologia é uma das inúmeras opções dos universitários após a conclusão de sua graduação, contudo não é a escolha mais óbvia por parte dos profissionais graduados.   

Hoje, temos mais de 365 mil cirurgiões-dentistas com CRO ativo no Brasil, segundo o Conselho Federal de Odontologia.  

Todavia, a grande maioria deles acaba optando por se tornar empreendedor, abrindo um consultório próprio ou até mesmo trabalhando de forma autônoma, algo comum na área odontológica.  

Em contrapartida, é bem menor o número de profissionais que escolhem seguir uma carreira científica, mesmo tratando-se de uma profissão importantíssima.  

Neste artigo vamos entender um pouco mais sobre a carreira científica na Odontologia, e principalmente, como o gênero feminino, maioria na área odontológica, encara os desafios de se destacar no meio científico perante grande desigualdade de gênero. 

Produção científica em Odontologia: importância no Brasil e no mundo 

Segundo o Global Ranking of Academic Subjects de 2021, realizado pela Shanghai Ranking, a produção Científica Odontológica brasileira ocupa a 10ª posição no ranking mundial.  

O destaque é da Universidade de São Paulo – USP, considerando questões como publicações científicas em periódicos e revistas reconhecidas internacionalmente, quantidade de docentes premiados internacionalmente, resultado de artigos indexados na SCI – Science Citation Index, dentre outros fatores avaliados. 

Além disso, o cenário pandêmico de COVID-19 também contribuiu para o destaque das pesquisas brasileiras, que ganharam grande visibilidade no exterior.  

Estudos ligados a protocolos de biossegurança, infecção cruzada e infecções respiratórias foram de grande valia no combate ao vírus SARS-CoV-2 a nível mundial, mostrando a importância de cada vez mais existirem profissionais dedicados à carreira científica odontológica no país. 

As diferenças de gênero no meio científico 

A comunidade científica, historicamente ocupada por homens, ainda hoje é majoritariamente masculina.  

Nesse âmbito, é o gênero masculino que se destaca, levando em consideração aspectos como resultados de publicações, citações, bolsas concedidas e colaborações.  

E mesmo com um crescimento considerável da presença de mulheres na ciência, é possível observar uma grande desigualdade de gênero. Pois, são os homens que estão à frente de grandes cargos e lideram o ranking de premiações científicas, recebendo maior reconhecimento na área.  

O Prêmio Nobel da paz, é um exemplo disso. Em 120 anos concedeu prêmios a quase 600 cientistas, e apenas 18 destes nomes são mulheres. E não para por aí, a cena se repete em muitos outras premiações e eventos científicos. 

Em reportagem do Estadão sobre o tema, inúmeras cientistas afirmam que há discriminação de gênero no meio científico. 

Das cientistas brasileiras premiadas, 90% delas já foram alvos de machismo e preconceito em algum momento da carreira, tendo que mudar a forma de agir e se comportar, para serem “levadas a sério” e respeitadas profissionalmente. Ainda há relatos de ofensas disfarçadas de piadas, brincadeiras sexistas e desmerecimento por parte dos colegas de profissão. 

No filme “Não olhe para cima”, lançado pela Netflix no final de 2021, umas das pautas retratadas é a discrepância de tratamento de gênero. A personagem principal, interpretada pela atriz Jennifer Lawrence, é um exemplo disso.  

Nas telas a situação chega a um nível drástico, onde a pesquisadora faz uma grande descoberta científica, mas é o colega de profissão, interpretado pelo ator Leonardo DiCaprio, que leva todo o “crédito” pela descoberta.   

A narrativa do filme é bem extremista em relação à determinados temas, mas é possível perceber que a ficção se baseia em problemas reais. 

Atuação e contribuição das mulheres no desenvolvimento da ciência na Odontologia 

O Brasil é o país com mais mulheres dentistas no mundo. Cerca de 70% dos profissionais inscritos nos conselhos regionais são cirurgiãs-dentistas, fato esse que também se reflete no meio científico.  

Dra. Magda Feres, Periodontista e Doutora em Ciências Médicas (DMSc) em Biologia Oral pela Universidade de Harvard (EUA), nos forneceu informações importantíssimas sobre a presença de mulheres na ciência, desde dados quantitativos, bem como sua experiência pessoal. 

Em comemoração aos 100 anos da Associação Internacional de Pesquisa Odontológica (IADR) em 2019, a Dra. relata que foi publicado um artigo avaliando as desigualdades de gênero na força de trabalho na Odontologia., onde foi possível observar que, de forma geral, a situação das mulheres na pesquisa em Odontologia no Brasil é bem melhor do que em outros países, mesmo aqueles mais desenvolvidos.  

“As mulheres representam 55% dos pesquisadores na área de saúde oral no Brasil, 35% na América do Norte, 33% na União Europeia, e apenas 25% no Japão.” 

Com o crescimento de profissionais mulheres no meio científico, no geral ainda é comum que cargos de alto escalão sejam ocupados por homens, principalmente se tratando da área acadêmica. 

Dra. Magda Feres, que é ainda atual Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia e professora de Periodontologia da Universidade de Guarulhos (Brasil), relata que quando passamos a analisar cargos de liderança na área acadêmica, como Coordenadora e professora de universidades, esses números podem cair para menos de 10%.  

Todavia, a área de pesquisa em Odontologia no Brasil surpreende no tópico “mulheres em cargos de liderança, pois no país metade dos coordenadores dos programas de Mestrado e Doutorado em Odontologia são mulheres. 

“Acho esse um dado muito relevante, e acredito que esteja relacionado a mulheres incríveis que nos antecederam nos órgãos que regulam e fomentam a pesquisa no nosso país, como CAPES, CNPq.

Contudo, isso está longe de ser a realidade ideal. A Dra. Comenta que a participação de mulheres em outras posições de liderança, como nas grades dos grandes eventos científicos internacionais da Odontologia, ainda é pífia. 

“Já estive em muitos congressos na Europa e nos EUA em que eu era a única mulher palestrante.” relata ela. 

Da mesma forma, segundo um artigo da FOUSP que aborda a representatividade feminina no âmbito científico, o sentimento de muitas docentes mulheres atuantes na área, é que o gênero feminino ainda encontra diversos obstáculos. 

Como já mencionado anteriormente, a sensação de “não ser levada a sério” é comum, forçando a mulher cientista a provar, constantemente, sua capacidade intelectual e profissional. 

Em outra matéria, feita pela Odontoprev, pesquisadoras que hoje são referências brasileiras em suas especialidades odontológicas, relatam que por muito tempo foram as únicas mulheres em suas áreas de atuação, reforçando o cenário apresentado anteriormente. 

Sendo assim, é notório que a presença feminina cada vez mais forte e em evidência na produção científica, seja na publicação de artigos, na liderança de instituições científicas ou desenvolvimento de pesquisa, é fundamental para mudar essa realidade. 

À medida que ganham seu espaço, além de se tornarem inspiração para outras mulheres, as cientistas trazem grandes contribuições para a evolução da Odontologia, seja em relação a procedimentos e técnicas inovadoras, desenvolvimento de produtos e materiais cada vez mais duradouros e biocompatíveis, bem como estudos e descobertas sobre diferentes doenças. 

Avanços e obstáculos 

Os espaços públicos e privados tem sido cada vez mais ocupados por mulheres, inclusive, na área da Odontologia menciona-se uma “feminização”, desde a graduação ao mercado de trabalho. 

Dra. Isabel Cristina Gonçalves Leite, CRO MG 19795, atualmente professora, coordenadora e orientadora de programas de pós-graduação na Universidade Federal de Juiz de Fora, ao relembrar sua trajetória profissional como mulher, cirurgiã-dentista e cientista, relata que houve uma considerável mudança de cenário desde o início da sua carreira: 

“Eu entrei na Odontologia no início dos anos 90.  A turma já tinha um bom quantitativo feminino, mas me lembro de “quadros de turmas” formadas alguns anos atrás com claro predomínio masculino”. 

Nesse sentido, um fator que favorece a atuação das mulheres no mercado odontológico são os avanços tecnológicos, que trazem inúmeros benefícios, não apenas em relação a otimização de tratamentos no âmbito clínico, mas também impactando positivamente na gestão de tempo dos atendimentos. 

“Sem dúvida, para a mulher que exerce a atividade clínica, toda conquista que contribua para a melhor gestão do tempo traz benefícios, porque, sabidamente, a mulher mantém uma série de atribuições, além das profissionais”.  Opina Dra. Isabel Cristina Gonçalves Leite, e ainda acrescenta: “Além do crescimento profissional, não podemos abandonar nossa qualidade de vida, e crescimento pessoal.” 

A mulher, além de ter sua profissão, precisa desempenhar inúmeros outros papéis na sociedade, como cidadã, mãe, filha, esposa, etc . Essas e tantas outras responsabilidades que a mulher carrega consigo, de certa forma, acabam afetando seu desenvolvimento profissional. 

A maternidade é um grande exemplo disso, pois exige uma pausa na carreira científica que pode não ser bem-vista, conforme reportagem da BBC News, influenciando diretamente a classificação em editais que custeiam trabalhamos científicos. Neste caso, a produtividade de um(a) cientista é medida de acordo com a quantidade de artigos escritos e publicados, logo, pausas significam menor produtividade no âmbito científico. 

Outra situação desafiadora está relacionada às oportunidades de desenvolvimento de pesquisa em outros países. Dra. Magda Feres conta como foi o primeiro convite que recebeu para ir ao exterior e o grande dilema que precisou enfrentar: 

“Meu filho tinha só 8 meses, e aquela viagem foi um divisor de águas para mim. Me lembro de naquele momento passar por um dilema que muitas de nós passamos: filhos versus carreira. Felizmente minha mãe era viva e me aconselhou: ‘Siga a sua carreira. Seus filhos admirarão a profissional que você será, e seguirão seus passos’. Assim eu fiz”. 

Isso mostra que a ausência da família é também fator de grande impacto na vida pessoal da mulher cientista, principalmente das que já são mães e muitas vezes não detém de uma rede de apoio. 

Equidade na área científica 

Para existir equidade na área científica muito ainda precisa ser feito. Logo, é fundamental que cada vez mais sejam levantadas discussões sobre disparidade de gênero, sobre a presença feminina na comunidade científica, bem como diferentes iniciativas que melhorem a situação da mulher nesse ecossistema. Afinal, a realidade de uma mulher cientista é bem diferente da de um homem. 

São necessárias diversas mudanças, começando pela divergência de salários e subsídios, que ainda é grande entre homens e mulheres. Além, é claro do machismo cultural, refletido na forma em que a mulher é tratada nesta esfera. 

Programas de cotas raciais e sociais, projetos de incentivo à ciência, campanhas educativas e demais ações do governo, também contribuem para aproximar cada vez mais a mulher da área científica. 

Dra. Isabel, que atua como professora em Odontologia na Universidade Federal de Juiz de Fora, fala da importância do sistema de cotas para a inclusão de mulheres no meio científico:

“Percebo, agora professora de instituição pública, que o sistema de cotas (raciais e sociais) também colaboraram para que mulheres adentrassem à graduação, significando claro avanço social para essas “meninas” e suas famílias.” 

Ela ainda acrescenta:

“Algumas cotistas tornarem-se, por exemplo, minhas monitoras e bolsistas de iniciação científica, nesse momento, numa ampla competição com todos os alunos.” 

Carreira na área científica: por onde começar? 

Se você possui interesse pela área de pesquisa científica, é importante que comece a buscar trabalhos e projetos desde os primeiros semestres da graduação.   

Existem diversos trabalhos de pesquisa que podem ser executados: 

  • relatos de caso; 
  • estudos in vitro; 
  • revisão de literatura; 
  • estudos clínicos; 
  • revisões sistemáticas; 
  • estudos observacionais; 
  • entre outros. 

Há alguns meios de iniciar essas atividades, seja através de grupos de pesquisa, iniciação científica ou até mesmo desenvolvendo trabalhos de pesquisa com um(a) professor(a)-orientador(a) por conta própria. 

Além disso, é indispensável ter um(a) professor(a) te auxiliando, independente do trabalho que você deseja realizar. Isso ajudará a definir pontos importantes, como: Qual será o tipo de pesquisa?  Qual será o tema? O trabalho é viável de ser realizado? Se for o caso, há estrutura e equipamentos necessários? Há tempo suficiente?  

Dra. Isabel afirma que ao escolher qualquer área da Odontologia é preciso considerar sua vocação e que bons professores têm esse papel: despertar vocações e oferecer oportunidades aos seus alunos. 

“Durante a graduação, tive suficiente influência de uma professora a frente de seu tempo, Profa. Maria Eugenia Tollendal. Sua influência me aproximou da Odontopediatria, enquanto especialidade da Odontologia, mas as oportunidades de extensão, e até mesmo de pesquisa num momento de formação em que não havia tanto espaço para isso quanto há hoje, me levaram a decidir pela Saúde Pública.” 

Em relação as linhas de pesquisa que podem ser seguidas, você pode levar em conta as áreas que possui maior identificação. Por isso, preste atenção nas disciplinas que mais te despertam interesse e procure fazer trabalhos voltados para essas temáticas. 

Destaques na área científica e acadêmica  

No que tange as responsabilidades da área e o grande destaque que é possível conquistar nesse meio, Dra. Isabel Cristina afirma que qualquer mérito e destaque deve ser olhado com o devido cuidado. 

“Talvez “pese” mais na balança a responsabilidade, não só pela área de conhecimento que represento e ainda para alguns não é reconhecida, mas também pela responsabilidade de construir minha carreira e manter toda “vida” que continua andando paralelamente. Também a responsabilidade de me somar a tantas outras mulheres que me precederam, em momentos ainda mais desafiadores; as que caminham comigo, cada qual com sua realidade e desafios e às novas gerações que ajudo a formar.”  

Já Dra. Magda Feres comenta que por muitos anos não enxergou que a situação da maioria das mulheres em sua área de trabalho era muito diferente da sua. E quando sua atenção se voltou mais para o Brasil, devido à pandemia de Covid-19, percebeu que existia um universo feminino que a enxergava como “modelo”.   

“Ser modelo é uma grande responsabilidade, e para mim, dar atenção para essas pessoas virou prioridade. Passei a preencher muito do meu tempo que era gasto com as viagens aconselhado e ajudando meninas que estavam dando os primeiros passos na carreira científica, ou iniciando no primeiro emprego, ou somente precisando falar” 

Isso permitiu a ela que se deparasse com realidades que nunca fizeram parte do seu dia a dia, mas que eram a realidade de tantas mulheres.  

“Ouvi estórias estapafúrdias de preconceito, de assédio moral, de interrupções de carreiras por machismo no trabalho ou em casa”. 

Assim, ela criou uma hashtag em seu instagram @magdaferes chamada #ScientistsWithLipstick (Cientistas de Batom) com o objetivo de criar um movimento que ajudasse na autoestima das mulheres pesquisadoras.  

A hashtag tomou proporções enormes e de repente surgiram postagens de pesquisadoras do mundo inteiro e de diversas áreas da saúde marcando o #ScientistsWithLipstick. Hoje, já são quase 1000 publicações com a hashtag.  

Em conclusão, é possível notar que por mais que a grande maioria de profissionais na Odontologia sejam mulheres, a área científica ainda oferece barreiras para o destaque do gênero feminino neste meio, como os estigmas sociais e a discriminação de gênero.  

Contudo, espera-se que, devido à presença feminina cada vez mais forte nas universidades, sendo alunas, lecionando, dirigindo e coordenando grandes estudos, essa realidade aos poucos vá se transformando. 

Além disso, exemplos como Dra. Isabel Cristina e Dra. Magda Ferer, inspiram jovens dentistas que almejam sucesso na área científica, mostrando que é possível sim vencer esses desafios. 

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Até a próxima. 

Fontes: 

BRASIL: Produção Científica Odontológica ocupa o 10º lugar no ranking mundial. Jornal Odonto e Saúde Integral, Https://www.jornaldosite.com.br/?p=3975, p. 1-1, 16 set. 2020. 

A REPRESENTATIVIDADE feminina na pesquisa científica odontológica. INFOUSP, [S. l.], p. 1-1, 15 fev. 2022. Disponível em: http://www.fo.usp.br/?p=74003. Acesso em: 15 fev. 2022. 

‘É possível ser cientista e mãe’: grupo brasileiro que debate maternidade e carreira acadêmica ganha prêmio internacional. BBC News Brasil, São Paulo, p. 1-1, 24 nov. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-59396170. Acesso em: 15 fev. 2022.  

90% das cientistas mulheres premiadas do Brasil relatam machismo: Ciência. Estadão, São Paulo, p. 1-1, 18 out. 2020. Disponível em: https://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,90-das-cientistas-premiadas-do-brasil-relatam-machismo,70003478974. Acesso em: 15 fev. 2022. 

MULHERES NA PESQUISA. Odontoprev, [S. l.], p. 1-1, 18 out. 2020. Disponível em: https://conexao.odontoprev.com.br/mulheres-na-pesquisa-ed29/. Acesso em: 15 fev. 2022. 

‘NÃO olhe para cima‘ e a invalidação da mulher. Estado de Minas, [S. l.], p. 1-1, 30 dez. 2021. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/diversidade/2021/12/30/noticia-diversidade,1334322/nao-olhe-para-cima-e-a-invalidacao-da-mulher.shtml. Acesso em: 15 fev. 2022. 

MULHERES cientistas revelam desafios na carreira. O Povo, [S. l.], p. 1-1, 11 fev. 2022. Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/brasil/2022/02/11/mulheres-cientistas-revelam-desafios-da-carreira.html. Acesso em: 15 fev. 2022. 

Tiwari T, Randall CL, Cohen L, et al. Gender Inequalities in the Dental Workforce: Global Perspectives. Adv Dent Res. 2019;30(3):60-68. doi:10.1177/0022034519877398 

Publicado por
Gabrielli Nery Wandscheer

Formada em Administração pela Estácio, especialista em Marketing e redação técnica na área odontológica.

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