Aspectos epidemiológicos
Apesar da Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmar que nos últimos anos tem sido observado um decréscimo significativo na prevalência da Hanseníase a nível mundial. Em alguns países como o Brasil, a Hanseníase continua sendo um problema de saúde pública, pois está entre as doenças negligenciadas relacionadas à pobreza.
Segundo o Ministério da Saúde, no Brasil, foram 312 mil novos casos registrados nos últimos dez anos, o que coloca o país na segunda posição no ranking mundial da doença, somente atrás da Índia. Segundo o último boletim epidemiológico, os quase 18 mil novos casos de Hanseníase no Brasil em 2020 representam 93,6% dos casos diagnosticados nas Américas.
O que é hanseníase?
A Hanseníase também conhecida como Lepra ou Doença de Hansen é uma infecção crônica causada pela bactéria Mycobacterium leprae, a qual necessita de baixas temperaturas corporais para sobreviver, desenvolvendo-se em nervos periféricos, pele e áreas resfriadas pelo ar como a cavidade nasal.
O período de incubação da bactéria pode variar de dois até dez anos, pois, esse microrganismo se multiplica muito lentamente.
O mecanismo de transmissão da hanseníase não está claro, porém acredita-se que aconteça pelo contato íntimo e prolongado com o doente através das secreções nasais e orofaríngeas e/ou pelas lesões cutâneas.
Desse modo, o maior fator de risco para a hanseníase são condições socioeconômicas de aglomerações, como as deficiências de habitação e aglomeração no transporte. Além disso, o baixo nível educacional e a dificuldade de acesso a sistemas de saúde também contribuem. Isso faz com que a maior incidência da hanseníase no Brasil esteja nas regiões com menor índice de desenvolvimento humano (IDH). Logo, o maior número de casos novos identificados na última década está na Região Nordeste (43% do total, ou o equivalente a 132,7 mil pacientes). Em seguida, vêm o Centro-Oeste, com 20% dos casos; o Norte (19%); e o Sudeste (15%). Apenas 4% dos novos pacientes registrados nos últimos dez anos apareceram na Região Sul do país.
De acordo com estudos epidemiológicos, nos últimos anos (2016-2020) a doença foi mais prevalente em homens (55%) do que mulheres (44%); em pardos (58,9%) do que brancos (24%) e pretos (12%) e na faixa de pessoas com ensino fundamental incompleto (40,9%) do que entre os com ensino médio e ensino superior completo (15%).
Aspectos Clínicos
Dentre as classificações das formas clínicas da Hanseníase, uma das mais conhecidas divide-se em: hanseníase lepromatosa ou virchowiana, a qual se manifesta em indivíduos com baixa-imunidade apresentando variações significativas e hanseníase tuberculóide, a qual se manifesta em indivíduos com alta-imunidade apresentando-se de forma localizada.
Sinais e sintomas
Na classificação atual, temos a forma paucibacilar que corresponde ao padrão tuberculóide, apresentando um pequeno número de lesões hipopigmentadas, perda de sudorese, envolvimento de nervos, mas raramente são observadas lesões orais. A outra forma clínica é a multibacilar que já se refere ao padrão lepromatoso e pode apresentar numerosas lesões hipopigmentadas na pele, envolvimento da face, perda da sudorese, perda de sensibilidade e lesões orais.
A face é um local comumente acometido, na qual ocorre a atrofia da espinha nasal anterior e do processo alveolar da maxila, bem como a alterações inflamatórias nasais. Essas alterações associadas ao colapso da ponte nasal, que é considerado um sinal patognomônico, formam a chamada “face leonina”. Epistaxe, alargamento do nariz e perda do olfato também podem ser observados.
Lesões orais
Na forma multibacilar, as lesões orais não são consideradas raras, apresentando uma frequência de 20 a 60%. No entanto, nenhuma lesão oral é considerada patognomônica. Podem se apresentar como pápulas ou nódulos, firmes amareladas ou avermelhadas, sésseis, assintomáticos e que geralmente desenvolvem ulceração e necrose. Os locais comumente acometidos são gengiva na porção anterior da maxila, palato duro e mole, úvula e língua.
O grau de envolvimento do palato e a presença de lesões na úvula estão muito relacionados com a duração da doença, caracterizando um estágio mais avançado da patologia.
A região anterior do dorso e da base da língua está envolvida em um número significativo de casos, se diferenciando por apresentar sintomatologia dolorosa.
Além disso, os nervos facial e trigêmeo também podem ser envolvidos provocando paralisia e déficits sensoriais.
Diagnóstico
O diagnóstico da Hanseníase baseia-se no aspecto clínico e nos exames laboratoriais complementares. Segundo a Organização Mundial de Saúde, devemos suspeitar de um caso de hanseníase quando uma pessoa apresenta lesões hipopigmentadas ou hiperpigmentadas com alteração de sensibilidade, fraqueza muscular, dormência ou formigamento das mãos e/ou pés. Quando os casos não são tratados no início dos sinais, a doença pode causar sequelas progressivas e permanentes, incluindo deformidades e multilações, redução da mobilidade dos membros e até cegueira.
No entanto, vale ressaltar que reconhecer uma lesão pelas suas características clínicas, ou visualizá-la, mesmo quando em locais expostos, depende de um olhar sensível e atento.
Hanseníase na Odontologia
Diante desses aspectos, ressalta-se a necessidade de que o cirurgião-dentista tenha conhecimento sobre a doença, desenvolvendo habilidades para o estabelecimento de um diagnóstico precoce.
Não se trata de um exame clínico odontológico voltado exclusivamente para hanseníase, entretanto, numa perspectiva de integralidade o cirurgião-dentista, como profissional da saúde, deve conhecer os principais sinais e sintomas da doença.
Mas como o cirurgião-dentista deve agir diante de um paciente com suspeita de hanseníase? Quais cuidados devem ser tomados?
Nesses casos a conduta indicada é:
- Realizar uma anamnese minuciosa, atentando-se para história médica pregressa e medicamentos de uso contínuo.
- Realizar um exame físico geral, observando o paciente como um todo;
- Ao identificar lesões bucais, utilizar métodos de diagnóstico complementares como biópsia e exames laboratoriais;
- Controlar o risco de infecção cruzada, realizando o tratamento odontológico normal com os mesmos cuidados gerais de biossegurança e esterilização;
Obs: Durante o atendimento odontológico e procedimentos de rotina, deve-se usar os equipamentos de proteção individual (EPI), como luvas e máscaras, assim como já é feito cotidianamente, pois, é pequeno o risco de transmissão do bacilo ao cirurgião-dentista durante a realização do tratamento odontológico.
- Dar preferência inicialmente para os procedimentos de urgência e emergência até que o diagnóstico e tratamento sejam realizados;
Obs: Procedimentos eletivos devem ser postergados até que o paciente esteja em tratamento.
- Encaminhar o paciente para tratamento e acompanhamento médico.
A falta de conhecimentos específicos dos cirurgiões-dentistas sobre a hanseníase, principalmente daqueles que atuam em regiões endêmicas, pode vir a comprometer a participação nas ações de controle da doença. Como consequência, a promoção e a recuperação da saúde bucal dos indivíduos com hanseníase ficam prejudicadas, fato comprovado pelo elevado índice de dentes cariados, perdidos, obturados e sérios problemas periodontais.
Sendo assim, o cirurgião-dentista deve atuar nas ações de promoção e prevenção de saúde bucal, assim como também prestando assistência odontológica realizando a avaliação diagnóstica, tratamento e reabilitação. Sendo da sua competência tratar as doenças bucais secundárias, como processos reacionais frente a trauma, tratar as lesões decorrentes da falta de higienização da cavidade bucal principalmente cárie e doença periodontal.
Ainda que exista uma ênfase no processo curativo-reparador, é necessário maior envolvimento do cirurgião-dentista na identificação e no encaminhamento de casos suspeitos para tratamento. Logo, ressalta-se a necessidade da integração do cirurgião-dentista aos programas de capacitação em hanseníase para o aprofundamento dos conhecimentos sobre a doença.
Procedimentos e tratamentos
O tratamento da hanseníase baseia-se no esquema poliquimioterápico preconizado pela Organização Mundial da Saúde e o emprego dos fármacos tem como objetivo principal à cura, alcançada através da eliminação do bacilo da corrente circulatória e conseqüentemente do organismo, regressão das lesões cutâneas e interrupção das agressões ao tecido nervoso.
As principais substâncias utilizadas em todo mundo são: Rifampicina, Isocianamida, Prothionamida, Dapsona, Etambutol e Clofazimina. Com este regime terapêutico o paciente deixa de ser contagiante após seis semanas de uso de medicação.
Apesar de o tratamento ser oferecido de forma gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil o índice de adesão ao tratamento é baixo, o que provoca a multiplicidade de casos, justifica-se a endemia crescente.
Após a resolução da infecção, a terapia deve ser direcionada para a reabilitação estético-funcional, com fisioterapia e acompanhamento psicológico, porque além do dano físico, há o comprometimento social. É fundamental ressaltar que uma vez iniciado o tratamento não há mais risco de contágio.
Campanha de prevenção
Em 2016 foi criado o “Janeiro Roxo” com intuito de chamar a atenção das pessoas para a hanseníase. Desde então, celebra-se no último domingo do mês de janeiro, o Dia Mundial de Combate e Prevenção da Hanseníase. Neste ano, a data será celebrada no dia 30 e o tema da campanha é “Precisamos falar sobre hanseníase”.
Nesta campanha o Ministério da Saúde promoverá ações para a prevenção, diagnóstico e tratamento. Essas ações incluem:
- Três novos testes para detectar a patologia, incluindo um teste rápido;
- Capacitação de médicos da atenção básica, apelidada de Carreta da Saúde da Hanseníase em cinco estados: Mato Grosso, Maranhão, Ceará, Piauí e Bahia;
- Implementação do Telehans, um serviço remoto para auxiliar a realização de diagnósticos de hanseníase e de um aplicativo para apoiar os profissionais de saúde nos exames e tratamentos;
- Um curso de educação a distância sobre o tema para profissionais de saúde.
Levando em conta que a hanseníase é uma doença infecciosa ainda considerada endêmica no Brasil, é importante que o cirurgião-dentista tenha conhecimento sobre a doença, pois, este está sujeito a atender pacientes portadores da hanseníase, devendo participar do estabelecimento do diagnóstico e encaminhamento do paciente para tratamento.
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Referencias:
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Cortela, D.C.B & Ignotti, E. Lesões visíveis na hanseníase: o papel do cirurgião-dentista na suspeita de casos novos. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(4): 619-32.
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Neville BW, Damm DD, Allen CM, Bouquot JE. Oral and MaxilloFacial Pathology. Philadelphia, W. B. Saunders Company; 2016.
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Valente J. Ministério da Saúde anuncia ações contra a hanseníase no Janeiro Roxo. Agência Brasil. Brasília. 2022. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-01/ministerio-da-saude- anuncia-acoes-contra-hanseniase-no-janeiro-roxo
Vilhena AT, et al. Atenção odontológica à paciente portadores de hanseníase: uma revisão integrativa. REAS/EJCH | Vol.Sup.18 | e137 | DOI: https://doi.org/10.25248/reas.e137.2019
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