A evolução da ciência e os estudos científicos têm nos permitido um conhecimento cada vez mais profundo a respeito da toxina botulínica na odontologia, seu mecanismo de ação, efeitos e particularidades.
Contudo, ainda existem muitos mitos e informações equivocadas sobre o uso da substância, que infelizmente vem sendo repassados até hoje.
Quer conferir quais são eles? Neste texto vamos relembrar fatos importantes sobre a toxina botulínica e os principais mitos e verdades.
Vale salientar que toda informação contida nesse post é baseada em literatura cientifica atual. Confira, a seguir!
Toxina botulínica na Odontologia
De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica (ISAPS), a aplicação de toxina botulínica é o procedimento estético minimamente invasivo mais realizado no mundo.
No Brasil, é o procedimento mais abordado nos cursos de Harmonização Orofacial, sendo considerado um tratamento de entrada na harmonização.
Em relação à classificação da toxina, podemos defini-la como um fármaco neuromodulador que bloqueia temporariamente os músculos faciais.
Na prática, isso significa que a substância age na interação neurônio e célula, modulando a comunicação entre o neurônio e a célula muscular, inibindo a liberação de neurotransmissores responsáveis pela contração muscular.
É uma neurotoxina que possui alta potência e necessita de pouca quantidade para ser efetiva.
Em relação ao uso da toxina botulínica na Odontologia, é recomendado nas seguintes situações clínicas:
- HOF;
- Bruxismo;
- Disfunção de ATM;
- Hipertrofia do masseter;
- Sialorréia;
- Assimetria do sorriso;
- Sorriso gengival;
- Redução da força muscular dos músculos masseter e temporal em alguns casos de implantes com carga imediata.
Dosagem e aplicação de toxina botulínica
A toxina botulínica, assim como os demais fármacos, possui uma dose ideal — a menor dose possível para que se consiga os efeitos esperados.
Em subdoses, ela não atinge o resultado desejado, já em dose excessiva provoca efeitos adversos ao paciente.
O fármaco apresenta mecanismos de ação altamente específicos, tendo uma ação local, em determinada região no organismo, e não uma ação sistêmica. Portanto, possui alto grau de segurança e previsibilidade no tratamento.
Em casos de falha no tratamento, as causas mais comuns são relacionadas à manipulação da toxina, armazenamento e técnica de aplicação.
É um consenso mundial atualmente, baseando-se em estudos científicos de relevância, que devemos aplicar doses menores de toxina em nossos pacientes, principalmente no primeiro procedimento.
Essa prática reduz a probabilidade de o sistema imune reagir de forma exacerbada.
Não podemos esquecer que o próprio nome, toxina, já nos indica que estamos injetando um antígeno, que irá ativar o sistema imune e gerar anticorpos.
Nos tratamentos com toxina botulínica, essa reação de defesa do organismo pode estar relacionada diretamente com a quantidade injetada.
O efeito dessa formação de anticorpos diminui a ação de paralisação muscular.
Mitos e verdades sobre a toxina botulínica na Odontologia
Agora que já conhecemos fatos estabelecidos sobre a toxina botulínica, é hora de abordar os principais mitos para que você, profissional, esclareça vários pontos que ainda hoje causam confusão.
Vamos lá?
Mito #1
👉 O paciente não deve abaixar a cabeça e nem mexer no rosto por 4 horas após a aplicação.
Mito! Muitos profissionais ainda fazem essa recomendação, simplesmente porque aprenderam assim, mas essa é uma informação que não possui respaldo científico.
O fármaco ingressa no neurônio motor entre 5 e 10 minutos após ser injetada, e forma uma ligação química que não pode ser desfeita.
Por segurança, basta que o profissional oriente o paciente a não mexer na região da aplicação por 30 minutos.
Mito #2
👉 Não fazer atividade físicas no dia da aplicação, pois a substância pode migrar.
Essa recomendação também não possui fundamento científico algum, pelo mesmo motivo da explicação anterior.
Mito #3
👉 O fármaco é uma molécula extremamente frágil. Não devemos movimentar frasco e seringa depois que a toxina foi reconstituída.
Estudos submeteram a toxina reconstituída a estresse mecânico de agitação e os resultados mostraram que não houve alteração na eficácia e duração dos efeitos esperados.
A substância possui certa fragilidade, por isso, devemos ter cuidado na hora de constituí-la, injetando o soro lentamente dentro do frasco.
Não é necessário promover uma movimentação vigorosa, mas podemos movimentar o frasco para que todo o líquido entre em contato com as paredes do recipiente.
Mito #4
👉 A suplementação com zinco, aumenta a durabilidade do procedimento.
O zinco é necessário para o mecanismo de ação, mas não foi determinada a associação à todas as etapas.
A quantidade do mineral nesse processo é mínima, mesmo em uma deficiência, a toxina recupera o zinco dos tecidos e continua o processo de bloqueio da liberação de acetilcolina.
A suplementação equivocada de Zn pode causar vários efeitos adversos, como cefaleias, aumento da probabilidade de zumbidos, alterações no olfato e paladar e interações medicamentosas.
Uma suplementação poderia melhorar a duração da toxina apenas em casos de indivíduos com déficit de zinco intra-neural.
Em pacientes com níveis normais, a suplementação não aumentaria a duração dos efeitos de paralisação muscular.
Mito #5
👉 A toxina botulínica migra.
É comum ouvirmos essa frase como justificativa quando o fármaco atinge outro músculo indesejado próximo ao músculo alvo, como em caso de ptose de pálpebra, por exemplo.
No entanto, não ocorre migração para outro músculo quando é injetada corretamente nas aplicações estéticas (com indicação neuromuscular).
Sendo assim é importante diferenciarmos corretamente o comportamento nos tecidos em relação ao espalhamento, difusão e transporte. Confira:
Espalhamento:
Espalhamento é o movimento físico-mecânico causado pela injeção do produto nos tecidos.
Por ser uma substância líquida, a toxina possui um halo de espalhamento.
Dependendo do volume de soro usado na reconstituição e da velocidade que o profissional injeta (não injetar devagar), ela pode se espalhar além do local pretendido.
Portanto, velocidade de injeção + volume maior = maior halo de espalhamento.
Desse modo, a recomendação em consenso é de sempre fazer a reconstituição seca, 1:1 (1ml de soro para 100ui de toxina).
Difusão:
A toxina se difunde nos tecidos e se liga aos receptores. É expressada no halo de ação e depende da dose de toxina injetada.
Ao injetar uma dose muito maior do que a necessária para o músculo alvo, o halo de ação pode ficar maior naquela região e não se limitar à região pretendida, atingindo outros músculos próximos.
Transporte:
É conhecido como transporte axonal retrógrado da toxina botulínica.
Uma parte da toxina injetada perifericamente consegue entrar pelos neurônios e ser transportada até chegar ao sistema nervoso central.
Esse movimento está relacionado ao efeito analgésico central do fármaco.
Mito #6
👉 Existem alguns tipos de toxinas que não produzem efeito vacina (anticorpos).
A toxina é um antígeno, sendo assim, apesar de incomum, pode causar imunização.
Infelizmente, não é possível saber qual dosagem irá provocar a reação imune, pois é algo que depende do injetor e do próprio organismo do paciente.
Neste caso, para evitar essa situação, deve-se utilizar a menor dose possível para obter os efeitos estéticos desejados e não reaplicar o produto antes de 3 meses.
Mito #7
👉 Existem aparelhos de radiofrequência que podem reverter a ação da toxina botulínica.
Atualmente, não existe nada documentado em literatura cientifica que comprove a reversibilidade dos efeitos do procedimento, nem medicamentos, nem aparelhos.
Leia também: Harmonização Orofacial: Intercorrências e complicações
Mito #8
👉 A toxina botulínica trata o bruxismo.
A toxina não controla a etiologia dos eventos do bruxismo do sono, mas a aplicação é indicada como um coadjuvante ao tratamento, pois a etiologia da disfunção em muitos casos é multifatorial.
Na verdade, ela reduz a força muscular e a sintomatologia dolorosa, mas os eventos do bruxismo continuam e podem provocar os desgastes característicos do quadro clínico.
A ação é efetiva em situações que envolvem atividade muscular involuntária ou aumento do tônus muscular.
Para proteger os dentes nos casos de bruxismo e controlar a dor, o tratamento de primeira escolha é a placa oclusal.
O uso da toxina botulínica para bruxismo melhora a sintomatologia dolorosa sem apresentar os efeitos colaterais das aplicações de altas doses de toxina nos músculos masseter e temporal.
Em casos de pacientes refratários, em que outras terapias conservadoras não funcionaram, podemos aplicá-la para efeito analgésico.
A aplicação deve ser feita em doses baixas – 30ui no masseter e 10ui no temporal. Essa é a dosagem com menos efeitos adversos, se comparada a doses medias e altas.
Estudos atuais relatam que essa dosagem promove redução de dor, e quando ocorrem efeitos adversos, o organismo se recupera do terceiro ao sexto mês.
Entre os efeitos adversos das altas e médias doses estão a diminuição da espessura muscular e reabsorção óssea na cabeça da mandíbula e no processo coronóide. Tais efeitos não foram totalmente revertidos até o sexto mês.
Mito #9
👉 Colocar mais soro no frasco, enfraquece a toxina.
Colocar mais soro não muda a potência da toxina, pois a ação da toxina depende da dose e não do soro.
Acontece que, ao colocarmos mais soro, teremos uma dose menor de toxina em um mesmo volume.
Injetando uma dose menor, consequentemente, haverá uma durabilidade menor dos efeitos de paralisação muscular.
#VERDADE!
👉 Os efeitos da toxina, duram menos em pacientes que praticam atividade física intensa.
Sim! Estudos recentes mostram que isso acontece.
Contudo, os mecanismos e motivos pelos quais isso ocorre e ainda não foram elucidados.
Para conduzirmos um tratamento de forma segura, eficaz e versátil, é essencial que tenhamos um conhecimento profundo sobre o mecanismo de ação, seus efeitos, indicações e contraindicações.
Assim, poderemos transmitir aos nossos pacientes informações corretas, relevantes e confiáveis, que esclareçam suas dúvidas e expectativas sobre o tratamento.
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IMPORTANTE: Como a toxina botulínica é um fármaco e alguns produtos para HOF também são considerados fármacos/medicamentos, segui a mesma orientação utilizada nos anestésicos sobre a divulgação de preços, promoções ou página específica do medicamento e não indiquei o CTA para a página da toxina no e-commerce e excluí a frase sobre ofertas e parcelamento.
Este texto foi publicado no dia 08/11/2023 pela Dra. Lorena Toledo e revisado no dia 24/07/2024 pela Dra. Fernanda Skupien.
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